Deitem cá para fora!
Hoje em dia, ouvir uma conversa de professores num café é um verdadeiro enigma! Parece que criaram uma linguagem de sobrevivência que está cheia de códigos e sinais, que ao comum dos mortais mais parece uma ciência! Senão vejamos…
De repente parecem um grupo de geógrafos: “estou a norte, eu estou a sul, a 100km a 50km com ida e volta, eu faço circuito em escolas num raio de 30km, eu calculo as candidaturas por distância…”
Quando finalmente percebemos do que estão a falar, viram matemáticos! “Este ano somo mais um valor, eu tenho média para o ano… ganho 1 crédito, ganho meio, ganho dois, tenho redução...!
Eis senão quando parecem polícias sinaleiros: “eu tenho prioridade eu não tenho, eu contorno, eu ultrapasso...” Chegam até a ser especialistas vindos do Polo Norte “congelo ou não congelo?”
A conversa ora é isto, ou então passa por um conjunto de coisas aparentemente sem ligação: “tenho coordenação, tenho direção, tenho horário, não tenho horário, tenho projetos, posso ir e meto baixa, não posso ir nem meter baixa, tenho de ir porque me tiraram a baixa!”
E de repente chegamos à conclusão que está toda uma classe, os que concorrem e os que não concorrem, irremediavelmente perdidos a falar de si, da sua carreira ou da falta dela. Deixou de haver tempo para falar do aluno, da arte de ensinar, do conceito educativo. Até isso tiraram aos professores! Colocaram-nos numa roda de circo onde estão sempre a falar de tudo o que envolve ser professor, sem falar do quão envolvente é ser professor.
E a pergunta que se impõe é: de quem é a culpa? Depois de tanto desprezo e contas mal feitas às reduções de horas letivas em disciplinas, ao fim de pares pedagógicos, às alterações sucessivas à forma de chegar e ficar na profissão.... agora... querem professores e não há! Desistiram.... Há muito! Quando os desprezaram, lhes roubaram o sonho, a dignidade... quando limparam da profissão a sua essência e a reduziram às tabelas, aos quadros, às reservas, aos recrutamentos com dois dias para se apresentar, seja a que quilómetros for, com as despedidas que ficam por fazer, as mochilas às costas e as horas a conduzir de lágrimas nos olhos.
Hoje em dia, ouvir um professor numa mesa de café é sentir a desilusão pelo caminho, a raiva pelo presente e a angústia pelo futuro... é ficar a ouvir tudo sobre a falta de união, sobre o excesso de documentação, sobre os poucos que resistem, sobre os muitos que já nem insistem! É ouvir falar o silêncio quando já não há mais nada a dizer, além de um cabisbaixo e suspirado “Enfim...” Ou então ouvir um diálogo feito de nadas:
· Fazes greve? Não dá.
· Vais concorrer? Eu sei lá…
· Ainda entras na carreira? Uii daqui lá!
· Que diz a tua família? Assim… assim não dá…
· Como te sentes? …. Dá para ver, não dá?
· Porra pá!… eu que tanto sonhei que quando fosse grande iria ser professor….
· E és! Só não dá para ser grande, professor.
Hoje em dia estar na mesa de um café e ouvir os professores a falar, é sentir enquanto mãe uma insegurança miudinha de quem já percebeu que o seu filho vai encontrar professores cansados, desmotivados, atolhados... isto quando os tiver, e não passar por longos períodos sem substituição do professor ou sem colocação sequer.
Hoje em dia estar na mesa de um café e ouvir um amigo professor a falar é não saber mais como motivar aquela pessoa, que decidiu largar os filhos e ir 500 km abaixo para ganhar posição num concurso que virá quiçá no próximo ano. É ver famílias separadas e com os rendimentos divididos pelas despesas de duas casas, é ver professores de carreira empenhados e sem verem reconhecida a sua dedicação à profissão. É ver diretores desesperados para completar lugares e verem um entra e sai de professores que ora vão para outro local que tem mais horas, ora saem para ofertas de escolas, ora para o privado, ora para o estrangeiro! Não sei quem ganha no meio disto tudo, mas também não consigo perceber como se chegou a este ponto, sem que quem tomou decisões... sofra consequências.
Acho que já é tempo de desmascarar a leviandade com que se tratou o ensino na última década e como chegamos até aqui... ao fim da linha! Onde não há ninguém satisfeito! Não é sequer uma questão de injustiça onde uns ganham e outros perdem. Ninguém está a ganhar e ninguém consegue passar esta mensagem cá para fora!
Tirem estas métricas e geografias e linguagens “codaxicas” do café e das escolas e tragam-nas cá para fora, para o povo, para as redes sociais, para a comunicação social, para os pais, para os jovens... para o mundo! Façam-se ouvir de forma a que vos entendam, a que nos acudam a todos enquanto sociedade, a que nos salvem enquanto civilização, porque arriscamos a perder a educação, e bem mais precioso não há!
Clara Paredes Castro
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