Dar murro em ponta de faca
António Costa, em entrevista de 8 de Novembro à RTP, usou uma metáfora sobre a função da maçaneta e da fechadura, recorrendo ao seu conhecido comportamento político ardiloso: referiu não querer abrir feridas, mas esfaqueou repetidas vezes o PCP e o BE; quando rodou a maçaneta para deixar entrar o PSD e foi confrontado com a rejeição anterior, logo esclareceu que esse preconceito exorcista só se aplicou ao Governo que vai cair; e, finalmente, permitiu concluir que se o PS não tiver maioria absoluta, um novo bloco central será possível.O homem que vê maçanetas onde outros só divisam fechaduras enclausurou a Educação atrás das grades do retrocesso. A metáfora que melhor define o que fez nesta área é esta: dar murro em ponta de faca.
As políticas educacionais destes dois governos do PS, personificadas por um ministro escandalosamente incompetente, são um poço de incongruências impostas por caudais normativos nunca vistos, paradoxalmente produzidos em nome da autonomia e da flexibilidade, perante, de um lado, escolas e professores reverenciais a quem manda e, do outro, escolas e professores exasperados, mas incapazes de dizer um não audível e consequente. É aqui que estamos, com a sociedade, distraída e passiva, a descobrir agora o que há muito se sabia e muitos foram denunciando: não há professores suficientes e o pior está para vir. Porque os salários indignos, já de si baixos (em início de carreira pouco acima do ordenado mínimo), perderam quase 30% do poder de compra nos últimos 12 anos. Porque temos professores com horários precários que pagam, literalmente, para trabalhar, suportando despesas (deslocações e rendas de segunda casa, longe da família) na esperança de reunirem condições para entrar nos quadros. Porque, de acordo com o Registo de Alunos Inscritos e Diplomados do Ensino Superior (Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência), o número de jovens que se candidatam a cursos de formação de professores sofreu uma quebra de mais de 70% nos últimos 15 anos. Porque, em resumo e em consequência do anterior, segundo um estudo promovido pelo próprio ME, o ensino público português tem um grave problema: recrutar, nos próximos dez anos, 34.508 novos docentes.
O caos começou a ser desenhado pela proletarização dos professores, que Maria de Lurdes Rodrigues promoveu, em nome de uma eficácia ignorante, Nuno Crato continuou e António Costa e o seu mandarim Tiago apuraram, juntando-lhe precariedade e desprezo.
Quando a OCDE referiu que a “Escola a Tempo Inteiro” é assistência social e não é educação, mais não fez que reiterar o que eu e outros fomos dizendo ao longo dos tempos. Quando a OCDE reconhecer que as políticas seguidas sob a epígrafe da “Educação para o Século XXI” não passaram de actos propagandísticos vazios de resultados, já estarão amarelecidos os papéis onde tantos denunciaram atempadamente o logro.
A estratégia que agora se propõe é o retorno aos anos oitenta, ou seja, permitir que qualquer diplomado, sem a mínima preparação profissional específica, possa ser professor. Quando os eventuais candidatos virem o salário e as condições de trabalho, a exigência ainda descerá mais, como já hoje se verifica nalgumas zonas do país e nas disciplinas mais problemáticas (Geografia, Filosofia, Inglês, Português, Francês, Física e Química e Informática). Por mais que puxasse pela cabeça, este ministro só podia decidir assim: abaixo de zero.
Se querem começar a resolver a falta de professores, comecem por lhes devolver o prestígio perdido (só 9,1% dos professores em serviço consideram que a sociedade os valoriza). Protejam-nos, com medidas eficazes, da violência a que estão sujeitos. Poupem-nos à burocracia inútil, que os escraviza. Mudem as regras de acesso aos quadros e de progressão na carreira. Paguem salários justos. Incentivem o exercício da docência no interior do país.
Se não reagirmos com vigor, opondo sensatez ao delírio, em breve, tudo o que durante décadas se construiu, com o esforço de todos, vencendo tantas turbulências de percurso, irá ruir. Porque a cura anunciada (qualquer um a dar aulas) é mais perniciosa que a doença (falta de professores qualificados).
A pergunta que vai pedir a resposta dos portugueses, particularmente dos professores, é esta: quem trouxe a Educação a este estado, pode continuar a governar?
Santana Castilho
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