Santana Castilho
O Programa de Estabilização Económica e Social destinou 400 milhões de euros para comprar computadores, garantir a conectividade das escolas à Internet, adquirir licenças de software, financiar um programa de formação digital dos docentes e incrementar a produção de novos recursos digitais.
Sendo necessária, a modernização digital não resolve o problema de fundo da Educação em 2020/2021, que requererá mais professores, mais assistentes operacionais e mais técnicos especializados. O que é crítico na profissão docente é a dimensão humana. A destreza manipulatória das tecnologias é necessária e extremamente útil, desde que submetida à tutela daquela dimensão, primeira e fundamental. Perdê-la, no vórtice do deslumbramento tecnológico, é perder a dignidade profissional. A Google e a Microsoft respondem pelos dividendos que distribuem aos accionistas. Os professores respondem pela humanidade que acrescentam aos seus alunos.
Por outro lado, o Orçamento Suplementar, que foi apresentado como o instrumento de investimento público para responder à pandemia, não sinaliza um só euro para financiar medidas compensatórias das aprendizagens perdidas pelo corte de um terço das aulas presenciais previstas, nem faz uma única referência à escola pública e às necessidades acrescidas do próximo ano lectivo.
Vários estudos internacionais, de análise de impacto, que começam agora a ser conhecidos, traçam uma visão funesta das consequências do encerramento das escolas, extrapolando para o campo da mobilidade social e do desenvolvimento económico das famílias e dos países aquilo que a psicologia do desenvolvimento apurou há muito: enquanto há aquisições não realizadas que podem ser recuperadas, há outras que se perdem para sempre, quando não ocorrem em tempos próprios do desenvolvimento das crianças (pré-escolar e primeiros anos do ensino básico). Sem escola física, que aproxima, não há educação. Com escola remota, que afasta, há desumanização.
Por cá, um inquérito aplicado pela Fenprof apurou que esse encerramento agravou as conhecidas desigualdades entre os estudantes e que, até meados de Maio, mais de metade dos professores não conseguiu contactar com todos os seus alunos. Neste quadro, seria imperioso, ouvindo as escolas e os professores, conhecer os números que caracterizam os meses de fecho (com quantos alunos as escolas não conseguiram manter qualquer contacto, quantos e onde deram novas matérias e quantos e onde foram apenas entretidos), desenhar programas de recuperação e planear adequadamente (acomodando medidas sanitárias e intervenções metodológicas especiais) o próximo ano lectivo.
Com o défice de qualificações que temos, é penoso ver o manso curvar ao destino, em vez de estarmos activamente a responder às perguntas urgentes do momento:
- Se uma nova vaga do vírus aparecer em Setembro, vai o país voltar a fechar as escolas? Como lidar com a doença, que tudo indica se tornará endémica, mantendo o funcionamento do sistema de ensino? Que planos de contingência estão previstos para responder a um eventual aumento de contágios, sem voltar a encerrar as escolas? Que formas de actuação alternativas estão pensadas para responder à imprevisibilidade da situação em que vivemos? Está em preparação um instrumento de aposentação dos professores, que justificadamente integrem os grupos de alto risco e não queiram voltar à escola?
- A duração do próximo ano lectivo será aumentada, para prover planos de recuperação? A pertinência desta pergunta resulta de se ter criado um problema, que não pode ser iludido: durante o encerramento das escolas, uns alunos avançaram, outros não; se nada for feito de suplementar, quando todos se reagruparem, para que uns recuperem, outros terão de parar.
- Haverá redução do número de alunos por turma, por razões de distanciamento físico? Serão, por isso, e para assistir aos alunos com mais dificuldades, contratados mais professores? Haverá professores suficientes? Haverá instalações suficientes? Como utilizar, numa lógica de complementaridade, os recursos tecnológicos disponíveis?
- Como vamos minorar os desastrosos efeitos, sobre alunos com necessidades educativas especiais e suas famílias, de tantos meses de afastamento dos apoios de proximidade? Que implicações ocorreram no equilíbrio emocional e na saúde mental destes alunos?
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