Santana Castilho - Público
A opinião pública ocupou-se nos últimos dias com as críticas do primeiro-ministro à Ordem dos Médicos e com a sua visão restritiva sobre quem, numa democracia, pode ou não fiscalizar o Estado. Tudo a propósito do escabroso caso do lar de Reguengos, onde 18 pessoas morreram, abandonadas.
A mesma anomia cívica que permitiu Reguengos permite que, a poucos dias do início do ano lectivo, alunos, pais e professores saibam pouco sobre como ele irá decorrer. Aos solavancos, foi-se falando da logística da segurança sanitária. Mas das metodologias e dos recursos para fazer face à volatilidade da pandemia, pouco mais temos que recomendações didácticas ultrapassadas, previsíveis e limitantes, vertidas nas Orientações para a Recuperação e Consolidação das Aprendizagens ao Longo do Ano Lectivo de 2020/2021, 51 páginas de dilatação do ridículo e repositório de tratamentos infantilizados dos problemas que sobraram do ano anterior.
Há dias “pingou” que aulas em casa e condições especiais de avaliação serão opções para os alunos de risco, à semelhança do que se faz com os que sofrem de doença oncológica. Mas sendo os graus de risco muito variáveis, como se apressou a esclarecer a Ordem dos Médicos, era expectável que se conhecessem já normas mais específicas, designadamente uma lista das doenças crónicas que possam conferir a condição de aluno de risco. Aparentemente, a intenção é adaptar a estes alunos a portaria n.º 350-A/2017, que regula um regime especial de protecção aos jovens com doença oncológica e prevê, entre outras medidas, o apoio educativo individual no domicílio, pessoal ou através de meios informáticos de comunicação à distância. Diz a norma em apreço que a identificação da necessidade de medidas de apoio se efectua por iniciativa dos pais, dos serviços de saúde ou dos docentes, cabendo às escolas pô-las em prática, depois de cumpridas detalhadas formalidades de certificação e autorização. Neste quadro, não é aceitável que as autoridades da Educação e da Saúde não tenham, até hoje, conseguido estabelecer um quadro referencial preciso, que esclareça e tranquilize pais, professores e alunos, com as consequências carrascas que dessa falta possam advir.
Outra situação preocupante é a dos professores igualmente de risco, que a Fenprof disse serem 12.000. Sobre eles já falou, salomonicamente, o secretário de Estado João Costa, sentenciando: “o trabalho dos professores é para fazer nas escolas; quem não estiver em condições de assumir o ensino presencial, que meta atestado e fique em casa”. Mas não nos disse que plano tem para a eventualidade de serem muitos, dos 12.000 potenciais, a ficarem em casa. Preocupam-me as consequências carrascas que o adensar do problema pode deixar para os alunos. E preocupam-me as consequências carrascas de uma nova divisão na martirizada classe docente: é que já vi, com dor na alma, professores do público contra professores do privado, professores novos contra professores velhos e professores do quadro contra professores contratados; não gostaria de ver agora professores “sãos” contra professores doentes.
Em rigor, não se pode dizer que o Governo tenha um plano de respostas para contextos adversos, que vá além das regras triviais e, mesmo assim, “sempre que possível”. Mas pode-se dizer que, mais uma vez, a Educação lhe importou pouco.
Sobre o período que decorreu de Março passado até ao fim do ano escolar não se conhecem dados, que o Ministério da Educação deveria ter apurado, que permitam, com o rigor possível, medir a dimensão do prejuízo educativo para os alunos encerrados em casa. Apenas a Fenprof afirmou que mais de metade dos professores não conseguiu contactar os seus alunos nesse período.
Em matéria de Saúde, com cadência doentia, de hora a hora, sabemos todos os dias quantos novos infectados foram descobertos (ainda que não nos digam quantos deles estão realmente doentes), quantos estão internados, quantos estão entubados e quantos morreram. Abundam gráficos e charlas de especialistas e comentadores políticos sobre a descida dos indicadores económicos de toda a ordem e sobre a subida do desemprego em todas as áreas. Mas sobre Educação, só temos os miraculosos resultados dos exames, torpemente manipulados para dizer que já ficou tudo bem. Serão carrascas as consequências desta forma de fazer política.
(Negrito nosso)
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