Em algumas escolas vai correr bem, noutras vai com certeza correr mal. Temos de estar cientes disso e redobrar cautelas
Não são só os pais que estão em alvoroço: é bom que se perceba que a vida dos portugueses muda para a semana. Da mesma forma que fechar as escolas foi o momento mais tenso no início da pandemia, reabri-las é uma das maiores dores de cabeça agora para o Governo. Esta decisão tem impacto na vida de cerca de 1,6 milhões de pessoas, entre alunos, docentes e pessoal não docente, e, pelo menos, na de outros três a quatro milhões, entre pais, avós e cônjuges. Para não falar dos efeitos nas empresas e nos transportes públicos. O que acontecer de 14 de setembro para a frente vai, pois, direta e indiretamente, comprometer a vida de todos nós, com ou sem crianças na família, tendo em conta o efeito cascata que esta medida produz em toda a sociedade.
Nesta matéria, não há boas escolhas, estamos perante uma encruzilhada de problemas. E é preciso optar entre males menores, tendo por certo que não há soluções sem riscos – ou mesmo com riscos pequenos.
A manutenção de um modelo de ensino à distância tem enormes custos sociais. A escola é fundamental para garantir um bom desenvolvimento das crianças no que toca à aprendizagem e saúde mental, assegurar a socialização e libertar os pais para trabalharem fora de casa. As famílias e a economia precisam de que os miúdos regressem às escolas, para o País poder recuperar alguma da normalidade que a Covid-19 roubou. Mas, por outro lado, abrir com um modelo totalmente presencial tem muitos riscos para a evolução da situação pandémica. Desde logo porque garantir os mesmos cuidados de higiene e medidas de prevenção é obviamente muito mais difícil (só quem não conhece miúdos é que pode ter ilusões), mas também porque as crianças – embora entre as mais pequenas, com menos de 10 anos, as taxas de transmissão sejam menores – são muitas vezes assintomáticas e, por isso, a doença é mais difícil de detetar e despistar.
Acontece que a reabertura das escolas coincide com o fim do período de desconfinamento e relaxamento generalizado dos cuidados, que teve efeitos no surto pandémico. Há riscos acrescidos agora, tendo em conta a evolução do número de casos ativos, que está claramente a subir desde meados de agosto.
Portugal está, hoje, entre os sete piores da Europa no que diz respeito à transmissibilidade e à incidência da infeção. E, como estamos a testar apenas os casos sintomáticos e não os que tiveram, por exemplo, contactos diretos com pessoas infetadas, é certo que são muitos mais os contaminados que não são detetados.
Para os epidemiologistas, o regresso às aulas aumenta os riscos de uma segunda vaga. Evitá-la passa por cuidados altamente exigentes: medidas de higiene acrescidas, arejamento das salas, limitação dos contactos e distanciamento entre alunos. Tudo coisas fáceis de pedir a quem não vive o dia a dia das escolas, mas difíceis de assegurar para quem lá está, muitas vezes com milhares de crianças, muitas vezes com salas pequenas para a sua lotação, mal arejadas e onde há falta de pessoal e de equipamentos.
Pais e professores estão preocupados e angustiados. É compreensível: eu também me encontro neste leque. Tenho quatro filhos, sei o quanto custa impor-lhes cuidados e como facilmente se esquecem da máscara e de lavar e desinfetar as mãos. Vejo-os brincar com amigos – e como ninguém se lembra de que anda por aí um novo coronavírus. A reabertura com insistência no modelo presencial e não, por exemplo, num regime misto que, a meu ver, permitiria desafogar as escolas, dá-se numa altura em que faltam ainda muitas respostas para dúvidas essenciais. E em que se concede aos estabelecimentos de ensino ampla liberdade, e também a responsabilidade, de encontrar soluções. Não tenhamos dúvidas: em algumas escolas vai correr bem, noutras vai com toda a certeza correr mal.
Temos, todos, de estar cientes disso e redobrar as cautelas. Aumentar os cuidados nos espaços públicos e não descurar as medidas no nosso dia a dia. E afastar novamente os miúdos dos avós, tentar confiná-los mais em tudo o que não são atividades letivas ou desportivas. Esforço este que deve ser extensível ao SNS: é essencial redobrar a testagem – fundamental para a deteção precoce. Mais vale gastar aqui do que a tratar os doentes de uma segunda vaga descontrolada que está mesmo aí à espreita…
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